domingo, 21 de junho de 2015

CAETANO E GIL EM ISRAEL


"Todo artista tem de ir aonde o povo está"
(Milton Nascimento)


     A imprensa noticia que Caetano Veloso e Gilberto Gil farão uma turnê internacional*. Nessa turnê está agendada, para o dia 28 de julho, uma apresentação em Tel-Aviv (Israel). No entanto um grupo com perfil político divulgou uma carta na qual Roger Waters (ex Pink Floyd) solicita ao Gil e ao Caetano que, como forma de represália às hostilidades de Israel contra os palestinos, cancelem o show.


Map of Palestine
(Fonte: http://www.pbs.org/frontlineworld/stories/palestine503/additional.html)

     Caetano e Gil divulgaram na imprensa que manterão a apresentação**. Gil diz que cantará para um "israel-palestino", que não tem interesse em "misturar a posição discutível do Estado de Israel com o povo de Israel - que tem uma vida, uma cultura e uma dimensão simbólica"; diz ainda que "há pessoas que gostam de música brasileira e que têm apreço por essa música há muitos anos" - e que esse é o motivo que o leva a cantar lá. 

     A meu ver, não é por intermédio de boicote cultural que interesses políticos podem ser alcançados. Pelo contrário. A cultura, em especial a música, é dotada de uma linguagem universal que aproxima - e que tem em si, pelo que inspira, até o poder de criar novos traçados políticos.

(Gilberto Gil na ONU - Fonte: http://i.ytimg.com/vi/C5-33YIVYC4/hqdefault.jpg)

     Lembro-me bem de um concerto no salão da Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque, em 2003, em memória de Sérgio Vieira de Melo e outros funcionários das Nações Unidas vitimados por ataques ocorridos no Iraque. Ao assistir pela TV, nesse show, a música e a alegria do Gilberto Gil promoverem a aproximação, fazerem cantar e dançar, irmanamente, gente do mundo todo e de todas as tendências políticas e religiosas, fiquei cheio de esperanças na capacidade do homem solucionar conflitos que apequenam toda a humanidade.

(CLIQUE NA SETA PARA ASSISTIR O GIL NA ONU)
(detalhe: no atabaque o então Secretário Geral da ONU, Kofi Annan)

     Com o intuito de mostrar que a linguagem da música inspira tolerância, respeito e compreensão, Daniel Baremboim (maestro israelo-argentino) e Edward Said (intelectual palestino) fundaram em 1999 a Orquestra West-Eastern Divan - que é composta por jovens músicos judeus e árabes e percorre o mundo para suas apresentações.


Daniel Barenboim, Dirigent, West-Eastern Divan Orchestra
(Daniel Baremboim e músicos da West-eastern Divan Orchestra - fonte: http://jewishquarterly.org/2014/08/jewish-proms/)

     Há poucos dias, também com o sentido de promover a aproximação e humanização pela arte, "Kleiton e Kledir" fizeram um show muito bonito em Ramallah - capital política e cultural da Palestina***.

(Show de Kleiton e Kledir em Ramallah - Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/06/1641370-gauchos-kleiton-e-kledir-renascem-na-palestina-e-evitam-politica-assista.shtml)

     Não creio que seja com boicote ou retaliações que se consiga o desmoronamento de fundamentalismos. Estou certo de que quando o artista e a arte se aproximam das pessoas - e vice-versa - levam consigo, implicitamente, sua característica natural de humanizar.

     Por isso penso que o Caetano e o Gil podem utilizar sua música para, em Tel Aviv ou em qualquer lugar do planeta, transcender divisões históricas e religiosas entre povos e pessoas, e ainda inspirar nelas ideias, propostas e soluções novas para conflitos antigos.


*Correio do Povo, 20/06/15
**Folha de São Paulo, Ilustrada, 06/06/15
***Folha de SP, Ilustrada, 12/6/15




quarta-feira, 17 de junho de 2015

O PAUL McCARTNEY NÃO VIU (mas eu conto como foi)




"alguma coisa está fora,
fora da nova ordem mundial"
(Caetano Veloso)


     Sábado, duas da tarde. Acabei de almoçar e, pela Visconde, desci para o Mercado Municipal. Atravessei a Lafayette e caminhei ao lado da Catedral. Cruzei a Florêncio e a Praça das Bandeiras, passando por dentro da feira de artesanato.


 (A feira de artesanato - fonte: arq. pessoal)

     Parei no semáforo da Américo com a Tibiriçá, em frente ao ponto de táxi. Aguardei o melhor momento para atravessar a rua. Do lado de cá da calçada havia o movimento no ponto de ônibus. 

(O ponto de ônibus na Amador - foto: arq. pessoal)

     Do outro lado, uma fila no quiosque de caldo de cana. Ali, numa pequena caixa com som distorcido e misturado ao do ruído dos motores dos automóveis estava tocando, dos Beatles, a gravação de "Let it be" que eles haviam feito no disco de mesmo nome.

(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR)
(Royal Philarmonic Orchestra - Let it be)

     Segui caminhando por diversos quarteirões do centro, passando por imóveis antigos, por lojinhas de artigos baratos, por lojas de presentes, de tecidos, de roupas feitas, bares e salgaderias...

(Mercado Municipal - fonte: arq. pessoal)

     Lá no "baixadão", pela porta da São Sebastião, entrei no Mercado. No primeiro balcão de exposições, amontoados, vi canivetes, fivelas, chapéus, fumo em corda e lampiões. Os comerciantes, com seus produtos à venda, enchiam de cor e de estímulos os diversos corredores estreitos existentes entre os boxes. As embalagens de salaminho, das garrafas de azeite, dos potes de azeitonas, pimenta e champignon davam cor ao local. Sacos de trigo grosso, temperos, amendoim, feijão, pimenta do reino em grão, tudo se juntava ali para dar ao Mercado um aroma e um charme muito especiais. 

(Tudo se amontoa nos pequenos espaços do Mercado - foto: arq. pessoal)

     Lá dentro, por mais improvável que possa parecer, ouvi novamente uma gravação dos Beatles na voz do Paul McCartney. Isso me fez duvidar da realidade, e pensar que a música que eu tinha ouvido anteriormente havia ficado retida em minha memória. Mas o som tinha boa qualidade e se espalhava pelo Mercado.

     Entrei em um dos boxes, escolhi o que queria, e fui atendido por uma mocinha muito sorridente. Ela pesou, calculou os preços, e colocou minha compra, cuidadosamente, em saquinhos de plástico separados.

 (Vendedora de queijos e castanhas - foto: arq. pessoal)

     Entrei na fila. Paguei. Continuei ouvindo o som dos Beatles. Teria sido muito mais provável ouvir, tanto ali quanto no quiosque de caldo de cana, uma música sertaneja - estilo que retrataria as tendências atuais. Ouvir os Beatles duas vezes em uma mesma tarde e em locais diversos, para mim pareceu um desarranjo edificante de lugar e tempo! 


(corredor interno do mercado - foto: arq. pessoal)

     Com sacolinhas penduradas em minhas mãos eu estava pronto para voltar para casa. No entanto não consegui deixar o Mercado. Atraído pelo som dos Beatles e com vontade de "encontrá-los" ali, caminhei "na direção deles" e cheguei em um box de canto onde funcionava uma pastelaria. Ali, em algumas mesinhas de plástico muito simples com banquetas também de plástico, os clientes se espremiam. A música saía nítida de duas caixas de som enormes. O Mercado dançava; a pastelaria fervia. Pessoas simples, mulheres de bermuda e sandálias de couro cru; homens de chapéu, cinturão com fivela de metal e botina de cano alto enchiam os copos de cerveja e conversavam animadamente tendo pratinhos de pastéis, coxinhas, e peixe frito ao centro das mesinhas. A tarde de sábado pintava-se de beleza. E a mesma gravação de "Let it Be" que estava sendo tocada no quiosque de caldo de cana agora se repetia, na voz do mesmo Paul McCartney de mais de quarenta anos atrás. 

     Aquele movimento todo alegrou o meu dia e o dia de muita gente - acredito. Sei que o Paul McCartney tem noção de tudo o que as músicas dos Beatles inspiraram nas pessoas em lugares remotos, incertos e inimagináveis deste mundo. Ele poderia até imaginar como seria ouvir sua própria voz no Mercado Municipal de Ribeirão Preto se alguém com ele conversasse a esse respeito. Mas ele não viu, como eu vi, seu jeito de cantar e a música dos Beatles trazerem sentimentos bons a mim, e sorrisos para tantas outras pessoas. 

     Na fantasia ingênua de que, por um passe de mágica, ele tomou conhecimento de tudo o que observei naquelas horas do sábado, relato aqui essa história querendo crer que ele, o Paul, em um rincão qualquer do Reino Unido, e sem saber porque, de repente parou tudo o que estava fazendo e deu uma boa gargalhada sozinho. Em seguida, com toda a nobreza britânica de septuagenário, como quem estivesse pensando algo, olhou para loooonge e exclamou para si mesmo: "Thank you, folks!"*  


(Paul McCartney - Fonte: http://ultimateclassicrock.com/paul-mccartney-valentines-day-concert/)

*obrigado, gente.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

LONDON TOWN


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR)
(Paul McCartney & Wings - London Town)

     A descoberta de uma cidade está em se ir muito além de sua superfície. Descobrir é poder nela caminhar sem querer atropelar o tempo; é querer morar dentro de cada coisa que se olha, com olhos tão lentos que precisam retornar à origem de um tempo: "Quais mãos construíram aquele monumento? Quais personagens da história passaram por aqui? Sir Winston Churchill? Oliver Cromwell? Thomas More?... E quando estiveram aqui, se é que estiveram, o que viram? o que pensaram? Conhecer é criar afinidades, é ouvir o barulho das ruas, é olhar para as pessoas que caminham, sentir os odores dos seus cafés, de seus parques e de seus restaurantes... é sentir que, tempos depois, com laços de afinidade tendo sido criados com tudo o que foi visto, trazer guardada a sensação de que ficou ainda muito mais por ser revelado...

(Região central de Londres: fonte: http://www.itineraireshumanistes.org/wp-content/uploads/2013/11/carnet_de_lecture_no_pasaran_londres.jpg)

     E foi com esse espírito que, em East Ham, eu e Denise pegamos o ônibus 25 para Oxford Circus. Sem destino certo, não sabíamos que, dependendo do 25, o ponto final poderia ser diferente. E fomos parar em Banks - ponto final daquele 25. 

     Não lamentamos. Olhei para o lado e descobri que estava ao lado do Bank of England - o Banco Central do Reino Unido - tendo bem em frente, e no centro de uma pequena praça, o monumento aos londrinos que lutaram na Primeira Guerra Mundial.

(Monumento aos londrinos que lutaram na 1ª Guerra Mundial - foto: arq. pessoal)

     Com essa bela surpresa logo captamos a mensagem: é à pé e na locomoção por transporte público que os detalhes de Londres ficam expostos, que a cidade,  em sua essência, vai sendo revelada.

     Com um mapa nas mãos descemos a King William Street. Mesmo em um dia ensolarado como aquele, um vento frio soprava forte no meu rosto. E caminhando assim, rosto, mãos e pés gelados, atento aos detalhes, chegamos à London Bridge - uma das pontes que cruzam o Rio Thames. Do seu centro avista-se a Tower Bridge de um lado e a Southwark Bridge do outro. 

(Detalhe de identificação em pilar da London Bridge - foto: arq. pessoal)

(De seu centro avista-se a Tower Bridge de um lado - foto: arq. pessoal)

     Atravessamos a ponte e, margeando o rio, seguimos caminhando em direção à "Tower Bridge". Passamos pelo "HMS Belfast" - navio-museu da Marinha Britânica que está permanentente ancorado ali...

("HMS BELFAST" - foto: arq. pessoal)

...pela "Hay's Gallery" - uma galeria muito bonita com escritórios, lojas e restaurantes...

(Denise em Hay's Gallery - foto: arq. pessoal)

... e pela Prefeitura de Londres - "City Hall" - ...

("Prefeitura de Londres" - fonte: http://www.mobilize.org.br/midias/noticias/a-famosa-london-bridge-e-a-prefeitura-de-londresa-famosa-london-bridge1.jpg)

... até chegarmos, por fim, na entrada da Tower Bridge - aquela ponte que se abre para os navios. Sentamos por alguns minutos em frente à Hay's Gallery para comer um pedaço de chocolate, e também para sentirmos o prazer de simplesmente ficarmos olhando a Tower Bridge à nossa frente.

("Tower Bridge" - foto: arq. pessoal)

     Em seguida, por escadas, subimos na ponte e vagarosamente caminhamos por ela. Deixo o meu testemunho aqui de que lá em cima, bem na junção de suas duas partes, e em função do tráfego de veículos, ela vibra. E como sou medroso, para me distrair, ali mesmo comprei um saquinho de castanhas torradas e, comendo, desci do outro lado da ponte, onde está a "Tower of London" - que já foi um centro de prisão e tortura, mas que hoje abriga as jóias da Coroa Britânica.

(Tower of London - foto: arq. pessoal)

     De Tower Bridge caminhamos até Trafalgar Square - onde está a National Gallery - ...

(National Gallery, vista da Trafalgar Square - foto: arq. pessoal)

... e de lá, passando por Picadilly Circus,  seguimos caminhando pela Regent Street,...

(Regent Street - foto: arq. pessoal)

... onde tomamos um café no "Costa", passamos por Oxford Circus, pela All Souls Church e pela BBC.

     Por fim, entre canteiros de flores e perfumes de final de tarde, terminamos nosso passeio do dia no Regent's Park. No peito, a sensação era de que naquela cidade havia ainda muito a ser desvendado.

("Com tudo o que foi visto, trazer guardada a sensação de que ficou ainda muito mais por ser revelado" - foto: arq. pessoal)