sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

LADY D'ARBANVILLE


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR)
(Lady D'Arbanville - Cat Stevens - do álbum "Mona Bone Jakon, de 1970)
https://www.youtube.com/watch?v=fEnCuL0cD5o

     Admiro nos escritores e compositores a capacidade que eles têm de viver em fantasia situações inimagináveis por seres comuns e mortais como eu.

     Outro dia me vi refazendo as muitas viagens que costumava fazer ouvindo música. Nelas, "A Arte de Cat Stevens" era uma fita K7 que, no carro, ditava a minha velocidade: "Wild World", "Peace Train", "Sitting", "Morning has broken", "Where do the children play", "Silent Sunlight", e muitas outras músicas dele, além de ditarem a minha velocidade, também determinavam a minha disposição para ir, voltar e chegar onde quer que fosse.

     Dentre as músicas dessa fita k7, "Lady D'Arbanville" era muito curiosa. Ela falava de abandono, de ausência de sinais de vida, de distanciamento, de morte, e de renascimento.

     Você já imaginou, meu amigo, alguém cantando para uma pessoa deitada, estendida, empalidecida, imóvel, morta... o coração silencioso, a respiração inexistente, o corpo frio, os lábios gelados de neve?  Pois era assim que eu me via ao ouvir "Lady D'Arbanville": cantando para alguém que havia morrido.

     Ao tentar entender sua letra, fui encontrar as circunstâncias que levaram o Cat Stevens a compô-la.

     Seus biógrafos contam que depois de um ano de relacionamento com uma jovem modelo norte americana a quem ele amava muito, ela passou a distanciar-se dele com muita frequência em virtude de seus compromissos profissionais. O sentimento de abandono que tomou conta do Cat Stevens, decorrente das viagens de sua então companheira, foi o suficiente para que ele ditasse o final do relacionamento, compondo a música claramente endereçada a ela, Patti D'Arbanville - a Lady D'Arbanville que dá nome à música.

"Katmandu" is Marty's Song of the Day for January 10, 2014
(Cat Stevens e Patti D'Arbanville - fonte: http://martybarrett.com/katmandu-cat-stevens/)

     Apesar de, na música, ele estar considerando findos seus laços com a "Lady D'Arbanville", e apesar de tantos indícios de morte contidos na letra, a música trazia também, em uma de suas frases, a esperança da ressurreição desse relacionamento em algum momento futuro:

"Eu vou te acordar amanhã e você será o meu complemento."
("Ill wake you tomorrow and you will  be my fill")

     Essa ressurreição não aconteceu. No entanto, guardei a impressão de que o renascimento imaginado pelo Cat Stevens em "Lady D'Arbanville" acabou sendo endereçado a ele mesmo: o Yusuf Islam que ele tornou-se veio a complementar o Cat Stevens que ele foi. Independente de nome ou fé religiosa, Yusuf e Cat não deixaram de ser a mesma pessoa, o mesmo criador genial de "Wild World", "How can I tell you", "The wind", "Oh very young", "If I laugh"... que eu gosto de ouvir.

Lady D'Arbanville

My Lady d'Arbanville, why do you sleep so still?
I'll wake you tomorrow
and you will be my fill, yes, you will be my fill.

My Lady d'Arbanville why does it grieve me so?
But your heart seems so silent.
Why do you breathe so low, why do you breathe so low,

My Lady d'Arbanville why do you sleep so still?
I'll wake you tomorrow
and you will be my fill, yes, you will be my fill.

My Lady d'Arbanville, you look so cold tonight.
Your lips feel like winter,
your skin has turned to white, your skin has turned to white.

My Lady d'Arbanville, why do you sleep so still?
I'll wake you tomorrow
and you will be my fill, yes, you will be my fill.

La la la la la....

My Lady d'Arbanville why does it grieve me so?
But your heart seems so silent.
Why do you breathe so low, why do you breathe so low,

I loved you my lady, though in your grave you lie,
I'll always be with you
This rose will never die, this rose
will never die.

I loved you my lady, though in your grave you lie,
I'll always be with you
Senhora D'Arbanville

Minha Senhora D'Arbanville, por que dorme tão quieta?
Vou te acordar amanhã
E você será meu complemento, sim, você será meu complemento.

Minha Senhora D'Arbanville, por que isso me entristece tanto?
Mas seu coração parece tão silencioso.
Por que você respira tão baixo, por que você respira tão baixo,

Minha senhora D'Arbanville, por que você dorme tão quieta?
Vou te acordar amanhã
e você será meu complemento, sim, você será meu complemento.

Minha Senhora D'Arbanville, você parece tão fria esta noite.
Sinto seus lábios como se fossem o inverno
sua pele ficou branca, sua pele ficou branca.

Minha Senhora D'Arbanville, por que você dorme tão quieta?
Vou te acordar amanhã
e você será meu complemento, sim, você será meu complemento

La la la la la....

Minha Senhora D'Arbanville, por que isso me entristece tanto?
Mas seu coração parece tão silencioso.
Por que você respira tão baixo, por que você respira tão baixo,

Eu te amei, minha senhora, embora em seu túmulo você esteja deitada
Eu sempre estarei com você
Essa rosa nunca morrerá, essa rosa nunca morrerá

Eu te amei, minha senhora,
embora em seu túmulo você esteja deitada
Eu sempre estarei com você

terça-feira, 14 de novembro de 2017

ESCUTE, DEUS ESTÁ FALANDO


CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ
"Oblivion" (Piazzolla) - Yamandu Costa/Zé Nogueira
https://www.youtube.com/watch?v=xZbF4a_zris


     Sim, Deus conversa conosco.


Chet Baker
fonte: https://redtreetimes.com/2012/08/25/whatll-i-do-chet-baker/

     E, salvo engano, sua maneira mais comum de se expressar é por intermédio de música - como fez em "Oblivion", do Piazzolla, no violão do Yamandu e no sax soprano do Zé Nogueira.

     Ouça! Escute-o! Ele está falando... Diz algo a você?

terça-feira, 7 de novembro de 2017

PAULINHO NOGUEIRA


CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ
"Simplesmente"- Paulinho Nogueira
(participação de Toquinho, seu ex-aluno)
https://www.youtube.com/watch?v=0v5nwQydO4I


É muito bom lembrar, ler a respeito, ouvir falar e conversar sobre o Paulinho Nogueira.

Vi-o, pessoalmente, duas vezes. A primeira delas, no final dos anos 70, em apresentação sua no "Uberlândia Clube", em Uberlândia-MG. O Paulinho era de uma simplicidade comovente.

A segunda (e última) vez, pouco tempo antes de seu falecimento em 2003, no "SESC-Ribeirão Preto". Naquela noite pedi a ele que autografasse para mim, ali mesmo no palco, seu CD "Chico Buarque-Primeiras Composições". Depois de fazê-lo, "Simplesmente"* agradeceu-me com um sorriso.


Encarte autografado do CD "Chico Buarque-Primeiras Composições"

Somado a diversos CDs por ele gravados, hoje guardo dele a imagem de um violonista com ares de interiorano**, sentado em um banco do "Parque da Água Branca"* em São Paulo, fazendo interligações entre as questões existenciais de toda a humanidade e o aprendizado advindo da observação do comportamento de três cães de estimação que teve - "Piloto, Birico e Timbó"*.

É muito bom lembrar, ler a respeito, ouvir falar e conversar sobre o Paulinho Nogueira...

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*"Simplesmente"; "Parque da água branca"; "Piloto, Birico e Timbó" - músicas da autoria do Paulinho Nogueira.
**Paulinho Nogueira nasceu em Campinas, SP

sábado, 21 de outubro de 2017

OS BEATLES E O GUARDA-CHUVA


http://foundmagazine.com/find/old-man-with-umbrella/

     Sabe, aquele guarda-chuva que era do avô? Aquele que ficou no canto da sala como lembrança e que evoca a memória de coisas boas? Que, só de sabermos que ele está por ali a sensação é de estarmos protegidos e com o coração aquecido?

CLIQUE NA SETA PARA OUVIR
The Beatles - "Hello, Goodbye"

     Pois os Beatles e a sua música são isso para mim: o guarda-chuva velho do meu avô que está há anos no canto da sala, pronto para me abrigar, aquecer e encher de vida o meu coração.


The Beatles - Fonte: http://www.billboard.com/articles/news/6851679/beatles-spotify-data-age-groups

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

DI CAVALCANTI



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"Pescadores" (1951)
https://luizmuller.com/2017/08/27/o-estado-a-burocracia-e-as-microempresas/

     Se me dessem lápis e papel para que eu traçasse uma imagem emblemática do Brasil, muito provavelmente eu tentaria fazer um esboço da baía de Guanabara com o bondinho ligando o Morro da Urca ao Pão-de-Açúcar, ou ainda do Cristo Redentor, no Corcovado. Acho que a tendência da maioria de nós, brasileiros, seria a mesma. Em especial se tivéssemos que apresentar essa imagem no exterior - ou a algum estrangeiro.

     Mas Di Cavalcanti não faria assim. Ele não fez assim. No conjunto de sua obra, o que observamos é que ele não procurou traduzir o Brasil em paisagens ou figuras grandiosas. Sua sensibilidade estava voltada para o povo, para a pele morena, para a gente simples, e para o seu aspecto cotidiano. Ele vivia impregnado por uma atmosfera quente, amorosa e sensual. Ele gostava de pintar mulheres; gostava de pintar o trabalho informal e o lazer. Não há em suas telas ou ilustrações sugestões verdadeiras ou falsas de um país grandioso, com aparência imediata indicativa de riqueza material. Não! Mas há, sim, a evidência do desejo de mostrar a realidade contida em nossa riqueza cultural. 

Imagem representativa do artigo
"Cinco moças de Guaratinguetá" (1930)
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra2592/cinco-mocas-de-guaratingueta

     Di Cavalcanti pintou bordeis; encontrou e traduziu, em poesia pintada, a pobreza. Em suas telas mostrou e denunciou o Brasil que conheceu: uma terra vibrante em cor, que, apesar da aparente alegria, estava, em seu tempo, habitada por um povo inocente e triste.

"Samba" (1927)

     Talvez tenha sido por sua obra com temática social e nacional, por sua sensibilidade voltada para os mais humildes, pelas cenas urbanas, musicais e eróticas que pintou, por seu jeito de mostrar a realidade do Brasil, que o governo militar o impediu de assumir função de adido cultural na França, em 1964. Afinal, "o que, do Brasil, um artista-pensador poderia mostrar no exterior?"


"Cinco moças de Guaratinguetá" (1930)

     Além de pintor, Di foi ainda ilustrador de jornais, livros, revistas, e até de capas de disco. Em Di Cavalcanti, pintor, há música e literatura. Vejo nele muito de Jorge Amado, escritor, e muito de Dorival Caymmi, compositor. Há pescadores, prostitutas, bordeis, mulheres "da vida", malandros e seresteiros - sempre em ambientes modestos. A obra de Di Cavalcanti é, enfim, uma perfeita caracterização da vida e da sensualidade do povo brasileiro.

     Di Cavalcanti foi um dos responsáveis pela realização da Semana da Arte Moderna em 1922. Foi, portanto, um dos responsáveis pelo debate a respeito da identidade nacional. Para esse debate ele trouxe a ideia da criação de uma imagem ao mesmo tempo moderna e popular, para um país habitado por um povo moreno, alegre e melancólico, que leva muito a sério o prazer e o descanso.

     Em viagem recente a São Paulo fui visitar a exposição "No Subúrbio da Modernidade - Di Cavalcanti 120 anos", na Pinacoteca do Estado. Deparei-me com um artista verdadeiramente apaixonado pelo Brasil.


Foto: arq. pessoal

     Ao lado de figuras notáveis como os citados Jorge Amado e Dorival Caymmi; de estudiosos do nosso perfil, como Sérgio Buarque, Darcy Ribeiro e Gilberto Freyre, tenho agora uma nova referência para falar do nosso país: Di Cavalcanti - um dos grandes responsáveis pela construção da identidade cultural brasileira.

     E é por isso que, se a ele tivessem pedido o esboço de uma única imagem que pudesse representar o Brasil, muito provavelmente a imagem não teria sido outra senão a figura de uma mulher - uma mulata, mais precisamente. E com traços delicadamente sensuais.

CLIQUE NA SETA PARA VER ALGUMAS OBRAS DO DI CAVALCANTI
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=2pD_Z8Z8TUw

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

NO SILÊNCIO DA NOITE


CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ
"Milonga del Angel" - Astor Piazzolla

     Quantos homens e mulheres em idade avançada já construíram uma família, já criaram seus filhos, já se aposentaram e vivem sós. Quantos homens e mulheres de bastante idade continuam com boa saúde, podem curtir a vida e desfrutar dos pequenos prazeres que ela oferece - passear de vez em quando, jantar em um restaurante, tomar um café em uma esquina qualquer, caminhar por um shopping center, olhar vitrines... Pessoas cujos filhos já se ajeitaram e que, em busca de seus próprios interesses, vivem distantes. Pessoas que, por determinação do destino, ou se separaram ou ficaram viúvas.

     Fico pensando nas dificuldades que encontram para a realização das coisas práticas e necessárias - a alimentação, o almoço, o jantar, os cuidados com a roupa, o controle financeiro. Imagino que cada amanhecer tenha se tornado uma árdua tarefa consistente na procura de alguma maneira de preencher o tempo de um dia: fazer palavras cruzadas, ler um livro, rememorar coisas que se passaram, remexer em papeis, em gavetas; procurar algum amigo, encontrar algum assunto para conversar, dar um telefonema. Mas, a quem recorrer? Quem estaria disposto a ouvir? Quem estaria disposto a conversar?

     Atravessar o dia, sob a luz do sol, parece não ser tão difícil. O movimento nas ruas, os veículos trafegando, tudo isso distrai e ocupa a imaginação. Mas, e a noite? A hora de ir para a cama, o silêncio, a escuridão? Qual a dimensão da angústia para se poder vencer as madrugadas, as insônias, os pensamentos nas coisas que vão ficando? Como adormecer com o incômodo pensamento naquilo que poderia ter sido feito da própria vida, mas não foi? Na quietude do quarto, estender o braço e ter o outro lado vazio, ninguém com quem conversar; deparar-se com sombras e com todo o vazio que a alma pode suportar. Estar só.

     Outro dia assisti um filme que aborda esse assunto. Baseado no livro "Nossas Noites"*, do escritor indiano Kent Haruf, o filme conta a história de Addie e Louis, ambos com idade acima de 70 anos. Addie e Louis já foram casados, tiveram suas famílias e seus filhos. Vivem sós. São vizinhos há muitos anos, e se conhecem apenas pelos cumprimentos formais e distantes. No filme Addie, na angústia de suas noites, supondo que Louis sentisse, como ela, a mesma falta de alguém com quem conversar, um dia vai à casa dele e sugere que eles, de vez em quando, poderiam dormir juntos em sua casa para poderem conversar; que, conversando, poderiam vencer a noite, afastar a escuridão e o silêncio.

     Não - ela esclarece - Ela não estava sugerindo ou propondo sexo; ela procurava e oferecia companhia. Ela queria alguém com quem pudesse dialogar, alguém para quem pudesse contar histórias, e de quem pudesse ouvir histórias.

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"Deux arbres" - http://www.transientlight.co.uk/photo/deux-arbres/

     Pensando no filme e lembrando-me das muitas pessoas que conheço e que vivem nas mesmas condições de Addie e Louis, imaginei que seria muito bom se elas conseguissem fazer com que as coisas se tornassem menos complicadas. Que todos nós, enfim, pudéssemos fazer com que as coisas fossem menos complicadas. Passei a me perguntar o porque da natureza humana exigir que escondamos as dores e as carências que nos afligem; o porque de querermos nos mostrar incólumes aos tormentos da vida quando eles são próprios da nossa existência - e, em especial, acredito eu, próprios da vida daqueles que vivem sós, que precisam de alguém para simplesmente conversar, vencer a escuridão, abraçar durante a noite, e seguir em frente...

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*"Nossas Noites" - "Our souls at night" (EUA, 2017). Dir. Ritesh Batra. Drama.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

E O PROGRESSO, PARA ONDE FOI?


CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ
Joana Francesa - Chico Buarque
https://www.youtube.com/watch?v=9cWkoH2eAPw


     Há poucos dias fui rever "Joana Francesa"*. Lembrava-me de algumas cenas do filme e da Jeanne Moreau; trazia também, na cabeça, a belíssima música do Chico - que, com o mesmo nome, estava na trilha sonora do filme.

     "Joana Francesa" mostra a decadência de um engenho de cana-de-açúcar no nordeste do Brasil, nas primeiras décadas do século XX, em virtude da chegada da usina e das transformações nos sistemas de produção. Como consequência, o engenho de açúcar que significava poder e progresso estava sendo engolido pelo próprio progresso; o senhor de engenho, então, seria transformado em fornecedor de cana-de-açúcar. 

     Rever esse filme me fez lembrar uma beneficiadora de algodão que existia em minha terra, e onde eu costumava ir com muita frequência. O que antes, lá, era símbolo de riqueza, não resistiu às transformações econômicas e tecnológicas - e se desfez.

     Em outros tempos a beneficiadora de algodão, ou simplesmente "algodoeira", situava-se perto da casa de minha infância. Seu funcionamento era responsável pela geração de muitos empregos; trazia para a cidade a ideia do dinamismo econômico da época, movimento, filas enormes de caminhões carregados de sacos de algodão colhido no campo para ser pesado, negociado, descarregado, e, depois, beneficiado.


Caminhão com carga de algodão a ser descarregado na antiga algodoeira
Foto postada por João Ambrósio Seleguim no facebook

     Em uma noite de triste memória a algodoeira foi tomada por um incêndio de proporções catastróficas. Mas seus sócios e diretores bravamente resistiram. Heroicamente transferiram-na da área urbana para as margens da rodovia anhanguera, onde ela foi reerguida, onde ela renasceu vigorosa para continuar gerando trabalho, produzindo riqueza e orgulho para a cidade. Houve um tempo em que, em função da algodoeira, chamávamos a pequena Guará de "capital do algodão" - do algodão que mereceu (e tem) seu lugar no "Brasão de Armas" do Município.


Algodoeira - postada por Beto Simões no facebook

     Mas "o progresso é nômade", dizia Monteiro Lobato**, "ele emigra e deixa atrás de si um rastilho de taperas...".

     Pois no ano passado, ao trafegar pela rodovia anhanguera, não consegui fingir que não via o local onde esteve a algodoeira - como havia feito por muitos anos. Vi, em estado de penúria, o imóvel onde ela funcionava. Os antigos galpões de armazenamento, máquinas de beneficiamento, escritórios administrativos, estavam tomados pelo mato. O portão de entrada tornou-se metal corroído; alguns pilares de concreto, juntamente com uma guarita semi destruída, davam os sinais de que antes havia ali uma demarcação de área. O único poste de iluminação, com seu braço de extensão quebrado era o retrato simbólico daquela desolação. No local, nenhum sinal de vida.


Entrada principal - foto: arq. pessoal

     A algodoeira que conheci, que estava instalada na cidade onde vivi, em um tempo que já vai bem distante, era a própria Fazenda Santa Rita das Alagoas mostrada no filme do Cacá Diégues. 

     É triste pensar que é essa a transformação pela qual o nosso país atualmente vem passando. São incontáveis nas cidades brasileiras - em todas por onde tenho passado - os imóveis que se encontram fechados, descuidados, entregues às intempéries, tomados por mato e colocados à venda para compradores que nunca aparecem. Triste o momento de nosso país... triste o momento de nossas cidades... tristes nós mesmos, que passamos a nos perguntar: "e o progresso, para onde foi?"

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*"Joana Francesa" - Brasil, 1973. Dir. Cacá Diégues
**Lobato, Monteiro. Cidades Mortas. Coleção Obras Completas. Ed. Brasiliense: São Paulo, 1951 

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

"SEULE"


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Céu - "Seule" (Pixinguinha/Vinicius de Moraes)


"Cante uma canção para me iludir"
(da letra de "Seule")


     "Seule" é uma valsa que está na trilha sonora de um filme nacional muito pouco conhecido: "Sol sobre a lama". Produzido na Bahia em 1963, o filme mostra uma tentativa de preservação de um canal que dá acesso a uma feira na cidade de Salvador - a Feira de Água de Meninos*. Ao mesmo tempo retrata a sociedade baiana e seus interesses no final dos anos 50 e início dos anos 60.

     Para fazer a trilha sonora, o seu diretor Alex Viany** convidou Pixinguinha e Vinícius de Moraes. Pixinguinha, sozinho, compôs diversas músicas para o filme, fez os arranjos, e dirigiu a gravação. Vinícius de Moraes, por sua vez, colocou letra em cinco delas: "Iemanjá", "Samba fúnebre", "Mundo melhor", "Lamento", e "Seule" - uma valsa, com letra em francês.

     Em carta*** a Vinícius, Alex Viany conta que um dia, passeando pela Feira de Água de Meninos, ouviu, vindo de um barraco miserável, uma sensível e sofisticada cancão francesa. Muito provavelmente - conjecturo eu - por parecer tão improvável o estado de miserabilidade encontrar expressão na delicadeza de uma canção, o Alex Viany relatou ao Vinícius e ao Pixinguinha aquele momento que havia vivenciado. E da sensibilidade apurada dos autores nasceu "Seule" - uma dulcíssima e ao mesmo tempo triste valsa.


"Depressão" - autor: HRubiales - pintura acrílica sobre tela
fonte: http://hroficinadeartes.blogspot.com.br/ 

     Sempre que a ouço sinto uma melancolia danada. Sua letra me faz pensar nas mulheres humilhadas, usadas, oprimidas, de que temos notícia todos os dias e que se espalham por esse mundão de meu Deus; sua letra me leva a pensar nas mulheres maltratadas pela vida, sem pais, sem filhos, sem ninguém, mas que, pelo simples fato de serem mulheres e, nessa condição, depositárias de todo amor da humanidade, ainda nutrem a ilusão de encontrar alguém que as faça sorrir e se sentirem amadas. 

Seule

Seule, seule
Seule même dans tes bras
Seule la nuit
Seule le jour
Rêvant un grand amour
Qui ne vient pas

Chante une chanson pour me bercer
Fais-mois, je t'en prie, tout oublier
Embrasse-moi, enlace-moi
Meurt en mon corps ton désarroi

Ah, si tu savais me faire sourire!
Je pourrais t'aimer jusqu'au délire
Mais mon amour
Mon pauvre amour
Je ne rêve pas de toi
Sozinha

Sozinha, sozinha
Sozinha mesmo em teus braços
Sozinha à noite
Sozinha no dia
Sonhando com um grande amor
Que não vem

Cante uma canção para me iludir
Faça-me, eu lhe imploro, esquecer tudo
Beije-me, me abraça
Que morre em meu corpo sua confusão

Ah, se você soubesse me fazer sorrir!
Eu poderia te adorar até a loucura
Mas, meu amor
Meu pobre amor
Eu já não sonho mais com você


___________________________
*"Feira de Água de Meninos" - já desaparecida em virtude de um incêndio. Nela, muitos dos feirantes construíam desordenadamente seus barracos e ali moravam. 
**Alex Viany - cineasta, roteirista, produtor, jornalista e ator. Como crítico cinematográfico brasileiro, morava nos EUA na época em que Vinícius de Moraes estava no posto de vice-consul em Los Angeles (1947). 
***lida por Betina Viany, filha de Alex Viany, no curta "Nós somos um poema" - em https://www.youtube.com/watch?v=qLYZi1Giw5Y

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

RANCHO DAS FLORES


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR)
("Rancho das Flores" - J.S. Bach/Vinícius de Moraes)


"Mesmo a tristeza está sorrindo
entre as flores da manhã
se abrindo nas cores do céu"
(Vinícius/Ary Barroso - em Rancho das Namoradas)


     Sempre que penso nas parcerias musicais do Vinícius de Moraes, de imediato me lembro do Tom Jobim, do Baden Powell, do Toquinho e do Carlinhos Lyra. Claro que há ainda o Pixinguinha, o Ary Barroso, o Antônio Maria, o Cláudio Santoro, o Francis Hime e muitos outros.

     Em suas apresentações musicais o Vinícius sempre homenageava aqueles a quem chamava de "Santíssima Trindade": o Tom Jobim, o Baden Powell e o Carlinhos Lyra. O Toquinho - dizia o Vinícius - entrou nessa turma na qualidade de "amém".

     Mas quando discorria sobre seus parceiros, Vinícius nunca deixava de mencionar o Bach. Sim, o Bach - o Johann Sebastian Bach - aquele compositor barroco alemão, um dos maiores da história da música. Estranho isso?

     O fato é que em 1716 Bach compôs uma cantata* à qual deu o nome de "Herz und Mund und Tat un Leben" ("Coração e Boca e Ações e Vida"). Catalogada como BWV 147, essa cantata é constituída por dez movimentos. O último deles, o coral, tem o nome de "Jesus Bleibet Meine Freude" ("Jesus alegria dos homens").


JESUS BLEIBET MEINE FREUDE

Jesus bleibet meine Freude,
Meines Herzens Trost und Saft,
Jesus wehret allem Leide,
Er ist meines Lebens Kraft,
Meiner Augen Lust und Sonne,
Meiner Seele Schatz und Wonne;
Darum lass ich Jesum nicht
Aus dem Herzen und Gesicht.
JESUS ALEGRIA DOS HOMENS

Jesus continua sendo minha alegria,
o conforto e a seiva do meu coração
Jesus refreia a minha tristeza,
Ele é a força da minha vida
É o deleite e o sol dos meus olhos,
O tesouro e a grande felicidade da minha alma,
Por isso, eu não deixarei ir Jesus
do meu coração e da minha presença.


     E foi inspirado no Bach que Vinícius de Moraes, mais de dois séculos depois, colocou uma letra nesse último movimento.

     Você poderia imaginar a respeito do que a letra trataria? Pois veja só. O Vinícius gostava de flores e tinha, em muito do que  fazia, as flores como tema. Lembro-me de algumas composições musicais dele mesmo ou em parceria: "As cores de Abril", "Samba da Rosa", "O tempo da flor", "Rancho das Namoradas"; "Flor da noite", "Uma Rosa em minha mão", "Medo de Amar", "A Rosa Desfolhada". Lembro-me também dele falando de flores em "Rua das Acácias" (memórias) e nas belíssimas crônicas "Médico de flores" e "Para uma menina com uma flor" - lembro-me ainda, dentre tantas outras, da "rosa sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada" ("A Rosa de Hiroshima").


para uma menina
Capa do livro "Para uma menina com uma flor"
http://verdadesdeumser.com.br/2015/04/30/para-uma-menina-com-uma-flor-livro/

     Pois não poderia ter sido diferente. Foi justamente falando de flores que nasceu a parceria. Tomando "Jesus Alegria dos Homens" como base, o Vinícius fez nascer a parceria Bach/Vinícius quando compôs "Rancho das Flores" - uma belíssima marcha cuja letra vale a pena ser conhecida. Ei-la:


RANCHO DAS FLORES
(Vinícius de Moraes / J.S. Bach)

Entre as prendas com que a natureza
Alegrou este mundo onde há tanta tristeza
A beleza das flores realça em primeiro lugar
É um milagre de aroma florindo
Mais lindo que todas as graças do ceu
E até mesmo do mar.

Olhem bem para a rosa
Não há mais formosa
É a flor dos amantes
É a rosa-mulher
Que em perfume e em nobreza
Vem antes do cravo
E do lírio e da hortência
E da dália e do bom crisântemo
E até mesmo do puro e gentil malmequer.

E reparem no cravo, o escrevo da rosa
Que é a flor mais cheirosa
De enfeite sutil
E no lírio que causa o delírio da rosa
O martírio da alma da rosa
Que é a flor mais vaidosa e mais prosa
Entre as flores do nosso Brasil.

Abram alas prá dália garbosa
Da cor mais vistosa
Do grande jardim da existência das flores
Tão cheias de cores gentis
E também para a hortência inocente
A flor mais contente
No azul do seu corpo macio e feliz.

Satisfeita da vida
Vem a margarida
Que é a flor preferida dos que tem paixão
E agora é a vez da papoula vermelha
A que dá tanto mel prás abelhas
E alegra este mundo tão triste
No amor que é do meu coração

E agora que temos o bom crisântemo
Seu nome cantemos em verso e em prosa
Porém que não tem a beleza da rosa
Que uma rosa não é só uma flor
Uma rosa é uma rosa, é uma rosa
É a mulher recendendo de amor. 


_____________________________________ 
*Cantata - gênero de composição vocal-instrumental, predominantemente religiosa, em vários movimentos


terça-feira, 8 de agosto de 2017

AS CARTAS


CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ
Erasmo Carlos -"A Carta"

     As cartas e mensagens digitadas me dizem muito menos do que poderiam dizer. Elas me parecem frias, programadas, impessoais - feito cartas de Banco.

     Gosto de cartas manuscritas. Ainda escrevo cartas assim. Ainda recebo cartas escritas por pessoas queridas que também as preferem assim. Separo o papel em branco, escolho a caneta e o envelope. Ouço meus pensamentos e deixo-me ir pelas linhas do papel. E depois, fechado o envelope, desprendo-me de mim pelos carimbos do correio.

     Cartas manuscritas são pessoais, verdadeiras, inteiras, honestas.


"A Carta" - composição de Erasmo Carlos

     Sei que já não se trocam cartas assim, manuscritas. Elas não são práticas. Elas parecem não ter o efeito esperado no universo da agilidade e do imediatismo das informações.

     Mas eu não gosto de cartas práticas. Não sou muito prático.

     Gosto daquelas que escancaram a relação do seu autor com o destinatário; gosto daquelas que chegam pedindo tempo e isolamento para serem decifradas. Gosto das que me vêm com a marca da intemporalidade.

     Uma carta manuscrita rompe as barreiras que se colocam entre o autor e a sua realidade. Ela chega propondo que seja lida além do que suas palavras conseguem dizer.

"Letras impressas são previsíveis e impessoais, transmitindo informações numa transação maquinal com os olhos do leitor. Letras de mão, em contrapartida, resistem aos olhos, revelam seus significados aos poucos e são pessoais como a pele" - compara Ruth Ozeki*.

Cartas - arq. pessoal

     Tenho em casa uma sacola onde guardo as cartas manuscritas que recebi desde que passei a escrever cartas. Tenho todas elas. Ainda as releio. Ainda me emociono feito um desequilibrado cada vez que revisito as histórias que elas me contam. Alguns remetentes já se foram. De outros já não tenho notícia. Mas muitos continuam presentes.

     Observando a legibilidade da escrita, nas cartas que recebo, procuro entender se o remetente quer ou não ser compreendido; a pressão da letra no papel me sugere tensão; a direção nos finais das palavras me falam se a informação está sendo aberta ou contida; a inclinação da escrita me mostra a sociabilidade ou a timidez do autor; e o espaçamento entre as letras indica bons modos de falar e ouvir, autoconfiança...

     Enfim, uma carta manuscrita traz informações que vão muito além das mensagens enviadas. Da leitura das cartas que recebo, e sem a menor pretensão de parecer bruxo ou adivinho, sinto que é pela escrita à mão que o remetente se deixa despir dos escudos que ocultam suas verdades. A escrita à mão denota autenticidade. E é justamente a cumplicidade nessa autenticidade que gosto de ter para continuar acreditando na franqueza e na sinceridade das relações humanas, que podem ser percebidas nas cartas que são trocadas.   

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*Ruth Ozeki, escritora canadense nascida nos Estados Unidos, em "A terra inteira e o ceu infinito" - Ed. Casa da Palavra  

sexta-feira, 28 de julho de 2017

GUARÁ, 1968: A ELEIÇÃO MUNICIPAL QUE EU VI


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)
Elis Regina - "Sábiá", de Chico e Tom
vencedora, nas vozes de Cybele e Cynara, do FIC - Festival Internacional da Canção de 1968


Aos "turquinhos" de Guará


     Com a "revolução" de 1964, sob o pretexto de reorganizar o país, os Comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, e ainda o Presidente da República, com respaldo do então chamado Conselho de Segurança Nacional, passaram a editar "Atos Institucionais". De 1964 a 1969 foram editados dezessete deles: todos colocados hierarquicamente acima das demais leis - acima da Constituição, inclusive.

     O Ato Institucional nº 2, de outubro de 1965, além de instituir a eleição indireta para Presidente da República, dentre outras disposições, extinguiu os partidos políticos então existentes e deu as diretrizes para a fundação de novos. Logo em seguida foram criados a ARENA* e o MDB**. A ARENA, para dar apoio ao governo militar, e o MDB para maquiar a falta de democracia no Brasil e fantasiar alguma oposição ao regime militar.

     Em Guará, com a proximidade das eleições municipais de 1968, as forças tradicionais da cidade se aliaram, seguiram os propósitos do governo chamado revolucionário, e fundaram a ARENA. Por outro lado, um pequeno grupo de idealistas que se reunia no lendário "Bar do Zé Berto" decidiu fazer oposição ao regime instituído, e fundou o diretório municipal do MDB. E foi assim que, para as eleições municipais de 1968, em Guará, ARENA e MDB lançaram seus candidatos - tanto à Câmara Municipal quanto à chefia do Executivo.

Frequentadores do "Bar do Zé Berto", na década de 70 (em seu segundo endereço)
foto do arquivo do Dr. Marco Antônio Migliori no facebook

     Em virtude do MDB guaraense, naquela eleição, estar sendo apoiado pela maioria dos descendentes de imigrantes árabes na cidade, a sua candidatura ficou apelidada de "ala dos 'turquinhos'" - pois era essa a forma costumeira de se referir aos imigrantes sírio-libaneses e seus descendentes.

 Propaganda política do candidato do MDB na eleição municipal de 1968
em Guará/SP - detalhe de foto cedida por Lígia Cavasini

     De minha casa, pela rádio AM de Ituverava - comarca onde era procedida a apuração - acompanhei a contagem dos votos. O resultado não causou surpresa alguma: a ARENA saiu vitoriosa, tanto no Executivo quanto na composição da Câmara Municipal. Aos "turquinhos" do MDB, em um universo de cerca de quatro mil eleitores, couberam contados 714 votos para a chefia do Executivo - e apenas um vereador eleito (o saudoso professor Maneco Chaud, que hoje dá nome ao plenário da Câmara Municipal).

     Guardo ainda lembranças da noite seguinte à conclusão da apuração dos votos, e do raiar do dia seguinte: minha casa amanheceu literalmente bombardeada por cebolas - um dos símbolos, no Brasil, da culinária árabe -; e o monumento ofertado pelos libaneses à cidade de Guará, na Praça Nove de Julho, repleto de tocos de velas que foram consumidas durante a noite - simbolizando um funeral aos imigrantes sírio-libaneses.


Imigrantes libaneses, em 15/09/63,  no descerramento da placa
no monumento ofertado pelos Libaneses à Cidade,
foto do arquivo de Náufal Mourani e irmãos -


Monumento à Cidade de Guará, ofertado pelos libaneses - foto: arq. pessoal
reinaugurado em 10/05/08 - Pref. Dr. Marco Aurélio, gestão 2005/2008

     Para mim, particularmente, as eleições foram desastrosas: além da chateação pela derrota que eu via latente na expressão de muitos "turquinhos" que conhecia bem e com quem convivia, acabei ficando sem meu cachorro pequinês, sem minha bola de couro, e sem minha bicicleta - furtados que foram naquela noite durante as comemorações dos apoiadores dos candidatos eleitos.

     E os nossos anos de chumbo estavam apenas começando.

     Logo depois, em dezembro do mesmo ano, foi editado o Ato Institucional nº 5, em consequência do qual o Presidente da República ganhou poderes para decretar intervenção nos Estados e Municípios, suspender direitos políticos de quaisquer cidadãos, cassar mandatos eletivos em todos os círculos de poder, e, decretando seu recesso, assumir as funções legislativas do Congresso. Jornais foram censurados, livros e obras considerados subversivos foram retirados de circulação. Muitos artistas e intelectuais foram forçados a se exilar no exterior, levando, desde a partida, a esperança de poder voltar - tal como ficou retratado na belíssima letra de "Sábia"***, vencedora do Festival Internacional da Canção daquele ano.

     Não sei dizer se algum guaraense, forçosamente, teve que deixar o Brasil. Tampouco me aventuro a querer explicar o destino que foi dado ao MDB. Só sei que desde então, até meados da década de 80, passei a ser veladamente aconselhado a evitar o questionamento sobre qualquer assunto que dissesse respeito ao governo do meu país.

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*ARENA - Aliança Renovadora Nacional
**MDB - Movimento Democrático Brasileiro
***SABIÁ - música composta por Chico Buarque e Tom Jobim


SABIÁ
(Chico Buarque e Tom Jobim)

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De uma palmeira
Que já não há
Colher a flor
Que já não dá
E algum amor Talvez possa espantar
As noites que eu não queria
E anunciar o dia

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá