quinta-feira, 19 de outubro de 2017

DI CAVALCANTI



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"Pescadores" (1951)
https://luizmuller.com/2017/08/27/o-estado-a-burocracia-e-as-microempresas/

     Se me dessem lápis e papel para que eu traçasse uma imagem emblemática do Brasil, muito provavelmente eu tentaria fazer um esboço da baía de Guanabara com o bondinho ligando o Morro da Urca ao Pão-de-Açúcar, ou ainda do Cristo Redentor, no Corcovado. Acho que a tendência da maioria de nós, brasileiros, seria a mesma. Em especial se tivéssemos que apresentar essa imagem no exterior - ou a algum estrangeiro.

     Mas Di Cavalcanti não faria assim. Ele não fez assim. No conjunto de sua obra, o que observamos é que ele não procurou traduzir o Brasil em paisagens ou figuras grandiosas. Sua sensibilidade estava voltada para o povo, para a pele morena, para a gente simples, e para o seu aspecto cotidiano. Ele vivia impregnado por uma atmosfera quente, amorosa e sensual. Ele gostava de pintar mulheres; gostava de pintar o trabalho informal e o lazer. Não há em suas telas ou ilustrações sugestões verdadeiras ou falsas de um país grandioso, com aparência imediata indicativa de riqueza material. Não! Mas há, sim, a evidência do desejo de mostrar a realidade contida em nossa riqueza cultural. 

Imagem representativa do artigo
"Cinco moças de Guaratinguetá" (1930)
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra2592/cinco-mocas-de-guaratingueta

     Di Cavalcanti pintou bordeis; encontrou e traduziu, em poesia pintada, a pobreza. Em suas telas mostrou e denunciou o Brasil que conheceu: uma terra vibrante em cor, que, apesar da aparente alegria, estava, em seu tempo, habitada por um povo inocente e triste.

"Samba" (1927)

     Talvez tenha sido por sua obra com temática social e nacional, por sua sensibilidade voltada para os mais humildes, pelas cenas urbanas, musicais e eróticas que pintou, por seu jeito de mostrar a realidade do Brasil, que o governo militar o impediu de assumir função de adido cultural na França, em 1964. Afinal, "o que, do Brasil, um artista-pensador poderia mostrar no exterior?"


"Cinco moças de Guaratinguetá" (1930)

     Além de pintor, Di foi ainda ilustrador de jornais, livros, revistas, e até de capas de disco. Em Di Cavalcanti, pintor, há música e literatura. Vejo nele muito de Jorge Amado, escritor, e muito de Dorival Caymmi, compositor. Há pescadores, prostitutas, bordeis, mulheres "da vida", malandros e seresteiros - sempre em ambientes modestos. A obra de Di Cavalcanti é, enfim, uma perfeita caracterização da vida e da sensualidade do povo brasileiro.

     Di Cavalcanti foi um dos responsáveis pela realização da Semana da Arte Moderna em 1922. Foi, portanto, um dos responsáveis pelo debate a respeito da identidade nacional. Para esse debate ele trouxe a ideia da criação de uma imagem ao mesmo tempo moderna e popular, para um país habitado por um povo moreno, alegre e melancólico, que leva muito a sério o prazer e o descanso.

     Em viagem recente a São Paulo fui visitar a exposição "No Subúrbio da Modernidade - Di Cavalcanti 120 anos", na Pinacoteca do Estado. Deparei-me com um artista verdadeiramente apaixonado pelo Brasil.


Foto: arq. pessoal

     Ao lado de figuras notáveis como os citados Jorge Amado e Dorival Caymmi; de estudiosos do nosso perfil, como Sérgio Buarque, Darcy Ribeiro e Gilberto Freyre, tenho agora uma nova referência para falar do nosso país: Di Cavalcanti - um dos grandes responsáveis pela construção da identidade cultural brasileira.

     E é por isso que, se a ele tivessem pedido o esboço de uma única imagem que pudesse representar o Brasil, muito provavelmente a imagem não teria sido outra senão a figura de uma mulher - uma mulata, mais precisamente. E com traços delicadamente sensuais.

CLIQUE NA SETA PARA VER ALGUMAS OBRAS DO DI CAVALCANTI
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=2pD_Z8Z8TUw

9 comentários:

  1. Tudo a ver a música com a obra!!! Só alegria!!! Texto maravilhoso!!! Cleu

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    1. Obrigado, Cleu. Grande abraço.

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    2. Tudo a ver com a alegria do carioca ! 👏👏👏👏👏👏

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  2. Tocou na ferida para nos expor uma crônica extremamente verdadeira e agradável. Só nos resta beber desse licor e saborear com doses generosas. Bela crônica . Excelente texto.Ave,Elias ...abs

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    1. Obrigado, Celso. Pois então beba e saboreie. Abraço.

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  3. Parabéns Elías, bela matéria, gostei demais. Por essas cosas o Vinicius amava o Di.

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